O STF e a independência do controle – por Luiz Henrique Lima

É fato reconhecido que a principal condição para o bom funcionamento das instituições de controle da administração pública é a sua independência. Tanto é assim que os documentos fundamentais da Associação Internacional de Instituições Superiores de Auditoria – INTOSAI são a Declaração de Lima e a Declaração do México sobre a Independência das Instituições Superiores de Auditoria.

Nesses textos, fica claro que a independência do controle não pode ser apenas uma boa intenção expressa no texto constitucional, mas necessita ser protegida por garantias efetivas de diversas naturezas, desde dotações orçamentárias para custear o exercício da fiscalização ao acesso irrestrito às informações necessárias à sua execução, incluindo as garantias e salvaguardas dos membros e auditores, a autonomia administrativa e financeira dos órgãos de controle e a iniciativa legislativa das normas que lhe dizem respeito.

De modo geral, o ordenamento jurídico brasileiro prestigia essa independência. Todavia, o bom controle causa desconforto aos maus gestores ao apontar falhas, omissões e irregularidades na execução das políticas públicas, o que gera incompreensões e tentativas de podar a independência dos órgãos de controle e de seus agentes.. Tais iniciativas assumem diversas formas, mas em comum ostentam a mácula da inconstitucionalidade, isto é, violam o princípio democrático e republicano que a nossa Constituição impõe à atuação dos órgãos de controle.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal – STF foi convocado a se pronunciar acerca de algumas dessas situações e adotou decisões firmes, coerentes e esclarecedoras. Neste artigo, destaco três exemplos bastante ilustrativos.

Em relação aos órgãos de controle interno, o STF entendeu que, considerando sua natureza técnica, é inadmissível que as atividades de controle interno sejam exercidas por servidores em cargos comissionados ou funções gratificadas (RE 1.264.676). Assim, mesmo os titulares de controladorias municipais devem ser servidores efetivos da carreira de controle.

No que concerne aos auditores de controle externo, o entendimento foi similar. Ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 6655, o STF assentou que o exercício de atividades finalísticas de controle externo não pode ser desempenhado por ocupantes de cargos em comissão, mas exclusivamente por servidores efetivos do Tribunal de Contas.

Por fim, no que concerne à atuação dos ministros e conselheiros substitutos dos tribunais de contas, selecionados tecnicamente mediante rigorosíssimos concursos públicos de provas e títulos, em 2022, ao julgar um conjunto de ADIs versando sobre normas estaduais, o STF, por unanimidade, consolidou importante entendimento acerca da relevância dos Auditores constitucionais. Na ADI 6939, o Ministro Roberto Barroso expressou que “não há inconstitucionalidade na norma que estabelece que auditores de contas, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, devem receber os mesmos vencimentos de juízes de direito de entrância final. (…), A manutenção do mesmo padrão remuneratório de magistrados é uma garantia de independência e imparcialidade no exercício da judicatura de contas.” E ainda: “a Constituição estabelece a modelagem dos tribunais de contas em geral e os contornos da carreira de auditor, especificamente. Ela reconhece que os auditores exercem atividade judicante e lhes assegura garantias da magistratura, que são a vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos. O que se pretende tutelar, afinal, é justamente o exercício da função de julgar contas públicas de forma independente e livre de pressões”.

Na ADI 6954 a ministra Cármen Lúcia reconheceu que “os auditores (conselheiros substitutos) exercem as mesmas funções dos conselheiros, ainda que nem sempre exerçam todas elas (isso somente ocorre em caso de substituição)”. Em decorrência, posiciona-se no sentido de que a equiparação remuneratória entre conselheiro substituto e Juiz de Direito objetiva garantir a autonomia técnica daqueles na atuação judicante inerente ao cargo e resguardar a independência da judicatura de contas.

No mesmo sentido votou a ministra Rosa Weber na ADI 6953 ao reconhecer a equiparação remuneratória entre Auditores (conselheiros substitutos) e Juízes de Direito estaduais como expressão da garantia funcional de independência da judicatura de contas.

Em todas essas decisões, o STF agiu em defesa da Constituição compreendendo que o controle da administração pública é essencial à democracia e que sua efetividade decorre da garantia de independência das instituições e dos quadros técnicos que as compõem.

 

Luiz Henrique Lima é professor e Auditor Substituto de Conselheiro do TCE-MT.