COVID-19: EC, MP, LEI E DECRETO – por Luiz Henrique Lima

 
A semana que passou foi pródiga em produção legislativa.
Tivemos a aprovação no Congresso Nacional da Emenda Constitucional 106, alcunhada de Orçamento de Guerra, e da Lei que criou auxílio a estados e municípios e que está em apreciação no Poder Executivo para sanção ou veto. Além disso, foram editadas a Medida Provisória 961 e o Decreto 10.342.
Todos esses regramentos estão relacionados à emergência na saúde decorrente da pandemia da Covid-19. Todas elas impactam de algum modo a atuação dos gestores públicos em todas as esferas, o que torna necessário a sua análise. O espaço desse artigo é limitado, de modo que far-se-á apenas uma breve exposição das normas.
A EC 106/2020 institui regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para atender às necessidades decorrentes do estado de calamidade pública. Referido regime “constitucionaliza” decisões adotadas pelo STF relativas à aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal, autoriza a inobservância da “regra de ouro” em matéria orçamentária – que preceitua que as receitas de capital, como operações de crédito, não podem ser empregadas para financiar despesas correntes (art. 167, III).
Por sua vez, a Lei, ainda sem número, institui exclusivamente para o exercício financeiro de 2020, o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (COVID- 19). O Programa envolve tanto repasses diretos da União para estados e municípios quanto suspensão de dívidas e reestruturação de operações de crédito. Tais medidas são indispensáveis para que os entes federados possam enfrentar a necessidade de expandir suas despesas na área da saúde ao tempo em que sofrem redução de receitas por conta dos efeitos econômicos da crise.
Como tramitaram de forma independente, há pontos em comum entre a Lei e a EC 106/2020, mas, em exame preliminar, não identifiquei contradição entre as normas.
A MP 961/2020 autoriza pagamentos antecipados nas licitações e nos contratos, adequa os limites de dispensa de licitação e amplia o uso do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC durante o estado de calamidade pública. A ampliação dos limites de dispensa é medida razoável, mas exigirá cuidado dos gestores e dos órgãos de controle para evitar gastos abusivos ou injustificados. Por seu turno, a antecipação de pagamentos constitui faculdade excepcional e requer que se demonstre condição indispensável para obter o bem ou assegurar a prestação do serviço; ou ainda que propicie significativa economia de recursos. Quanto à utilização do RDC, também se recomenda cautela, uma vez que esse instrumento de contratação foi concebido para conceder agilidade à execução das obras para a Copa do Mundo de 2014 que, como se sabe, deixaram um legado de consideráveis prejuízos.
Quanto ao Decreto 10.342/2020, seu objetivo foi ampliar o rol de atividades consideradas essenciais indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, incluindo novos incisos para contemplar a construção civil e diversas atividades industriais como, por exemplo, a produção de cerveja. Chama a atenção o fato do Decreto não contar com a assinatura do ministro da Saúde. Registre-se que o governo federal tem revelado insegurança na definição de tais atividades, cujo rol já foi objeto de quatro diferentes decretos no intervalo de 45 dias (Decretos 10.282, 10.292, 10.329 e 10.342). Na sua primeira versão, o rol continha 35 incisos; na mais recente são 55.
Tamanha expansão do conceito de essencialidade poderá ensejar confusão no momento de implementação de medidas restritivas de circulação nas regiões mais afetadas pelo coronavírus ou cujo sistema de saúde esteja em situação de colapso. Como sabem os gestores experientes, quando tudo é considerado prioridade, o que é de fato prioritário é comprometido.
Em artigos subsequentes, essa introdução será desenvolvida e aprofundada.
 
Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.